Café Brandão em São Paulo - 1910

Por Edison Loureiro
Passou em branco, mas talvez pouca gente saiba que o dia 14 de abril é o Dia Mundial do Café. Nada mais representativo para a cidade de São Paulo que o café. Afinal devemos a esta tentadora e cheirosa bebida o grande impulso de desenvolvimento que transformou a pacata e esquecida cidadezinha de São Paulo na maior metrópole do país.
E a palavra café designa também o estabelecimento em que a bebida é servida e apreciada, entre outras bebidas e petiscos, onde podemos sentar e bater um papo sem pressa, sentar à uma mesa para ler uma revista ou jornal, ou mesmo ficar apreciando o movimento.
No começo do século passado eram comuns os cafés na cidade. Muita gente vivia pelos cafés, lá se encontravam, faziam negócios, discutiam política, escreviam poemas. Ou simplesmente falavam da vida alheia como em todos os tempos. Tinha gente que passava horas seguidas nos cafés. Quer encontrar Fulano? É só ir ao Guarany, terceira mesa da direita, das quatro as oito ele está lá. Alguns eram mais chiques, todos cheios de espelhos e com música ao vivo, mesmo porque não havia outra forma de música. Outros mais simples e com preços mais acessíveis frequentados principalmente pelos estudantes que sempre viviam atrapalhados com o orçamento.
Quando começou tudo isso? Quais teriam sido os primeiros cafés em São Paulo?
Bem, até por volta de 1860 não existiam cafés com este estilo em São Paulo. Os conhecidos se encontravam para bater papo nos comércios existentes e principalmente nas boticas, como eram conhecidas a farmácias. Também até a primeira metade do século XIX quase não se tomava café em São Paulo. A bebida favorita era o chá, importado, ou mesmo aquele plantado pelo Marechal Arouche em sua chácara e o do morro do Chá. Comprava-se em cartuchos e eram baratíssimos
Firmo de Albuquerque Diniz, no livro Notas de Viagem (1882), escrito sob o pseudônimo de Junius, diz que o primeiro café foi o de Henrique Levy que em sua casa começou a servi-lo. Realmente, conforme Antônio Egydio Martins, no livro São Paulo Antigo (1911), existe a observação de que “Henrique Levy, morando na casa 37 da Rua da Imperatriz (atual XV de Novembro), possuiu, no andar térreo, um café e uma loja de música e perfumarias”. Como a Casa Levy foi fundada em 1860, talvez tenha sido o primeiro café de São Paulo. É curioso saber que o primeiro café tenha surgido em uma casa que vendia partituras e ficaria sendo conhecida como importadora de pianos e outros instrumentos musicais. Existe até hoje na Vila Madalena.
Também Almeida Nogueira em sua série de Crônicas sobre a Academia de Direito do Largo São Francisco, ao contar sobre os estudantes do quadriênio 1870 a 1874, confirma-nos a existência do Café Levy e conta uma passagem ocorrida com o estudante João José Frederico Ludovice:
“Havia, in illo tempore em S. Paulo, o café Levy, cuja principal atração era o proprietário, o Sr. Henrique Luiz Levy, mormente quando estava de humor a fazer-se ouvir na sua maviosa clarineta. O Ludovice era amigo e admirador do Levy, que, por sua vez, muito o apreciava. Aprazia-se, entretanto, a causticá-lo, pedindo ao garçom do café, mas de modo a ser ouvido pelo amigo, bebidas que ele imaginava não haver na casa. Ele sabia que mortificava assim o amor próprio do Levy, muito susceptível neste ponto:
— Garçon — dizia ele em voz alta — dá-me kirsch.
— Não tem, não Sr.
— Tem! Tem! — acudia pressuroso o Levy.
— Mas já se acabou…”
Por outro lado, vários autores, inclusive Antônio Egydio Martins, colocam entre os primeiros estabelecimentos do gênero o Café de Maria Punga. Seu nome verdadeiro era Maria Emília Vieira, uma mulata gorda, sempre com uma toalha enrolada na cabeça e ramo de arruda na orelha com argola de ouro. Seus fregueses é que lhe botaram apelido.
O Café ficava em sua própria casa, na Travessa do Colégio, atual Rua Anchieta, esquina com a Rua XV de Novembro, bem ao lado da casa onde moraram por muitos anos as “Mocinhas da Casa Verde”. A época em que existiu é imprecisa, porém também é por volta de 1860.
Servia o café em grandes xícaras brancas a 40 réis cada. Ela mesma torrava e moía o café, mas o segredo devia estar na hora de coar, pois somente coava e servia três xícaras de cada vez, se chegasse alguém para tomar café, tinha de esperar mais dois fregueses para então todos serem atendidos. Era um local simples com vigas e ripas aparentes e uma única mesa grande e encardida, porém reunia homens importantes da cidade. Enquanto esperavam, conversavam e comiam bolo de fubá, broinhas de polvilho ou bolinhos de tapioca.
Almeida Nogueira, na obra já citada também trata de Maria Punga quando trata dos estudantes da quadra 1863 a 1867, mas estranhamente faz menção a dois estabelecimentos. Um deles seria de Maria Umbelina e ficava bem em frente à Academia, no largo São Francisco. O estabelecimento era sua própria casa e o café era servido na “varanda”, assim entre aspas porque varanda era a gíria entre os estudantes da época, para a sala das repúblicas onde viviam.
Ainda da mesma época cita também, o Café de Maria Punga da Travessa do Colégio.
Estes Foram os primeiros cafés de São Paulo.
Em março de 1864 inaugurou-se o Café Americano, de Mlle. Mara Malzac e Mme. Louise Paris, na Rua do Rosário, 32 (atual XV de Novembro), perto do antigo Largo do Rosário (atua Praça Antônio Prado), oferecendo “todos os dias café com leite, chocolate e almoços, desde as 6 até as 9 horas da manhã”. Mas não deve ter tido muito sucesso pois um ano depois fechou as portas e fez leilão de seus “trastes”.
Já em junho de 1874 abre-se outro Café Americano na Rua do Palácio no 1 (atual Rua do Tesouro), depois transferido para a Rua da Imperatriz (atual XV de Novembro), onde permaneceu por um longo período ao lado da Imperial Confeitaria de Adolpho Nagel. Era um edifício assobradado e no pavimento superior se instalou o estúdio de fotografia de Guilherme Gaensly.
Foi fundado por Dias Cruz & Comp. e passou por diversas mãos como José Pereira Nó, conhecido como Juca Nó, e Alfredo Braga. Seu proprietário mais famoso foi Manuel de Souza Brandão, português que chegou ao Brasil por volta de 1890. Famoso porque fundou vários cafés conhecidos em São Paulo. O mais famoso foi o Café Brandão.
Souza Brandão vendeu o Café Americano ao seu sócio Francisco Cardoso de Lemos em julho de 1896 e em setembro do mesmo ano inaugurou o Café Brandão na esquina da ladeira de São João com a Rua São Bento, que se tornou um ponto de referência. Frequentado por homens de negócios e políticos durante o dia, à noite era ponto de jornalistas, poetas e músicos. Ficaram famosos os brandõesinhos, pãezinhos feitos com uma receita secreta que a Sra. Brandão comprou de uma cozinheira austríaca e feitos especialmente para o Café Brandão.
Este Café esteve sob a administração de Souza Brandão até 1912, quando foi vendido para Augusto Carlos Baumann que mudou o nome para Café Baumann. Mas não teve jeito, depois de tanto tempo o povo continuava a chamá-lo de Café Brandão.
Acontece que em 1915, Souza Brandão tinha adquirido o antigo Café Caruso, na esquina da XV de Novembro com a Rua da Quitanda e o chamou de Café Andes e não estava nada feliz com o povo usando seu nome em um estabelecimento que não era mais o seu. Acabou trocando o nome de Café Andes para Café Brandão. Mas não teve jeito, o povo continuou lembrando que naquele antigo casarão azul esteve o Café Brandão.

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