Com Mauro Vieira, Dilma tenta apaziguar o Itamaraty

O novo ministro das Relações Exteriores tem a missão de conter um corpo diplomático insurgente e militante da oposição
por André Barrocal - CartaCapital:
Dilma Rousseff encarou a altitude de La Paz na quinta-feira 22 para participar da terceira posse do presidente da Bolívia, o líder indígena Evo Morales. A decisão enterrou qualquer chance de uma viagem aos Alpes suíços, onde no mesmo dia acontecia outro fórum anual de Davos, convescote da nata econômica global. Uma opção ilustrativa da política externa iniciada em 2003, a priorizar a América do Sul e os emergentes. Até aqui, a petista seguiu todos os rumos do antecessor, embora com menos ênfase. A falta de entusiasmo pelo tema obrigou-a, porém, a nomear no segundo mandato outro chanceler, Mauro Vieira, embaixador nos Estados Unidos desde 2010. O motivo? Tentar acalmar um corpo diplomático insurgente e militante da oposição na recente eleição.
O moral no Itamaraty desabou nos últimos anos, sobretudo entre os mais jovens. O quadro de funcionários subiu de mil para cerca de 1,5 mil diplomatas na era Lula e tornou-se um das maiores no mundo, mas parece ter se tornado irrelevante. A presidenta teve menos contato com líderes estrangeiros, viajou pouco, ignorou a assinatura de acordos bilaterais, não levou muito a sério certos protocolos, a ponto de desmarcar em cima da hora audiências com chefes de Estado, como aconteceu com um líder africano. Em 2012, durante uma formatura no Instituto Rio Branco, escola de formação de diplomatas, defendeu que “o Itamaraty tenha engenheiros”, discurso recebido como tecnocrata demais e inspirador de menos.
Os dois primeiros chanceleres de Dilma Rousseff, Antonio Patriota e Luiz Alberto Figueiredo, contribuíram para criar uma espécie de “tempestade perfeita” no Itamaraty, segundo um diplomata, em meio a um quadro de desaceleração econômica dentro e fora do País que atrapalhou a atração de investimentos e importadores. Eles não tinham força perante a mandatária. E foram inábeis com a corporação, minando a própria autoridade.
Em 2011, a diplomata Milena de Medeiros morreu de malária, após viajar a trabalho à Guiné Equatorial. Colegas reclamaram de falta de orientação por parte do Itamaraty e queixaram-se por carta a Patriota. Ele determinou que os viajantes passassem a assinar termos de responsabilidade. Para piorar, uma comissão de apuração concluiu que a culpa tinha sido da diplomata. Ao estourar a crise do asilado boliviano Roger Pinto Molina, causa de sua demissão, a autoridade de Patriota no Itamaraty estava por um fio.
Ao substituí-lo, em agosto de 2013, Figueiredo conhecia a situação e tinha ideias de como superar os percalços. Decidiu, entre outras atitudes, consultar os subordinados sobre mudanças de regras capazes de melhorar o andamento da carreira. Mas frustrou expectativas. Sua atuação foi “conservadora” e negligenciou os mais jovens, nas palavras de um embaixador.
Figueiredo não admitia a existência de problemas financeiros, resultantes da perda de prestígio do Itamaraty no Palácio do Planalto. No ano passado, segundo o Portal da Transparência, o Ministério das Relações Exteriores gastou 1,4 bilhão de reais, o equivalente a 0,19% das despesas na Esplanada. Com Lula, a média anual tinha sido de 0,25%. A contenção de despesas nos últimos anos sacrificou viagens e passagens, imprescindíveis à diplomacia.
Em Washington, Vieira sentiu os efeitos. Sem verba, a embaixada cortou a assinatura de jornais e revistas. E economizava com viagens destinadas a participar de eventos ou a aproximar-se de líderes políticos e empresariais. Isso dificultou a repetição de certas ações planejadas pelo embaixador quando servia na Argentina, entre 2004 e 2010, entre elas a promoção de jantares em homenagem à esposa do então presidente Néstor Kirchner. Foi assim que ele tornou-se amigo da futura presidenta, Cristina, hoje no cargo. “Política externa se faz com gente e dinheiro. Há uma insatisfação grande no Itamaraty”, atesta Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral da casa.
A insatisfação levou muitos diplomatas a atuar contra Dilma nas redes sociais durante a eleição. No primeiro turno, o Itamaraty virou um reduto marinista, conforme apurou a revista. Pela linguagem e detalhes, o capítulo sobre política externa do programa de governo de Marina Silva foi escrito ali, garante um assessor presidencial. No turno final, a casa voltou-se em peso para Aécio Neves, com vazamentos à mídia de informações negativas para Dilma, diz o mesmo assessor, para quem o perfil elitista do Itamaraty levou a casa a aderir ao espírito das manifestações de junho de 2013.
A eleição foi o estopim de um dos lances mais ousados da história de uma instituição de costumes conservadores. Um grupo de terceiros secretários, primeira patente no início da carreira, resolveu cobrar mudanças no processo de promoção. Eles acham que, pelo andar da carruagem, só vão conseguir subir após 12 anos, acima da média de sete. A eleição seria uma boa hora para negociar. Puseram a queixa em uma carta com quase 350 assinaturas, mandaram-na a Figueiredo e fizeram-na chegar à mídia a uma semana da eleição presidencial. O texto tornou-se público como se fosse um manifesto anti-Dilma.
Reservadamente, o “secretarismo”, como é chamado por alguns, também contesta a rigidez militar do Itamaraty. Lá é preciso levantar-se quando um superior entra na sala e presentear a mulher do embaixador brasileiro com um buquê com número ímpar de flores acima de 12, quando se chega ao exterior. Há quem aconselhe aos jovens a não se filiar ao sindicato com o argumento de que diplomata é “classe dirigente”.
O episódio da carta selou o destino de Figueiredo. Ele recusou-se a receber uma comitiva dos signatários, mas declarou à mídia, posteriormente, que estava debruçado sobre o assunto. Perdeu o que ainda tinha de autoridade.
A decisão de Dilma de trocá-lo colocou Celso Amorim, chanceler com Lula, na bolsa de apostas. No Natal, a presidenta telefonou para Amorim, seu ministro da Defesa, e pediu-lhe para estar em Brasília no domingo 28. Queria conversar, após alguns dias de descanso na Bahia. Amorim imaginou que seria convidado para o antigo posto. Enganou-se. Nem sequer houve conversa. No dia 31, em meio a uma onda de boatos em Brasília sobre sua recusa, ele disse não ter sido convidado. Se fosse, aceitaria. Horas depois, Dilma anunciou Vieira, antigo colaborador do ex-chanceler e amigo pessoal de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para a área internacional.
Além de mudar a chancelaria, está nos planos do Palácio do Planalto apoiar a realização de concursos pelos quais podem ser contratados 400 diplomatas. A entrada de um novo pelotão seria uma maneira de facilitar a ascensão profissional de quem está no Itamaraty a imaginar-se sem futuro.
*Reportagem publicada originalmente na edição 833 de CartaCapital, com o título "É melhor usar luvas de pelica"
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