Tarso Genro: O junho que nos desafia

Por Tarso Genro
A coruja de Minerva alça vôo ao entardecer, dizia Hegel na sua já batida, explorada e genial sentença sobre o entendimento da História. Proponho que nos esforcemos para “lograr” Hegel e nos esforcemos para apressar nosso entendimento sobre junho 2013.
Penso que até agora foram insuficientes as análises feitas pela esquerda -de todas as origens, inclusive as anarco-socialistas- sobre os movimentos de junho do ano passado, como seguramente esta também o será. Uma parte da área acadêmica (e da direita pós-moderna), por outro lado, com o apoio da “grande mídia”, apressou-se em espasmos de júbilo. Já etiquetavam positivamente os movimentos que estavam “começando um novo Brasil”, reverenciando um possível fracasso do projeto político que vem dirigindo o país desde 2002. Quando as ruas se voltaram também contra eles, passaram a ser mais cautelosos: recolheram a sua clientela de classe média para o recesso dos seus bares e dos seus lares.
Agora, os apoiadores incondicionais de todos os movimentos de rua festejam desde o acampamento na frente da casa do Governador do Rio -como se isso fosse um sintoma de inconformidade com a “dominação do capital”- até a quebra de vitrines de bancos, bancas de jornais, queimação de fuscas ou destruição de carros de pipocas, como “momento de radicalização dos movimentos sociais”. Pode ser que este júbilo seja meio precipitado, porque se é verdade que é manifestação de revolta contra as carências sociais atuais, também são fatos de manipulação preciosa para que a “opinião pública” exija cada vez mais repressão.
Os “especialistas” ouvidos pelos jornais, ordinariamente de direita, explicam exaustivamente os acontecimentos com aquela conhecida empáfia de quem “já sabia disso há muito tempo” e com a comodidade de quem nunca terá quer responder pela opinião dada, pois sempre são rapidamente utilizados pelas editorias e, se não servirem aos desígnios de formação de uma opinião conservadora anti-governo e anti-esquerda, -que a imprensa tradicional sempre quer impor- serão rapidamente descartados.
Não é necessário ser “especialista”, sociólogo ou politólogo, muito menos colunista de opinião, para saber que há novas demandas nas ruas. Novos sujeitos sociais em movimento, novos contingentes de jovens, setores do mundo do trabalho, estudantes, empregados em serviços de baixo rendimento, desempregados e marginalizados que até há pouco não tinham expressão formal nas lutas sociais, que hoje fazem tremer as já enferrujadas estruturas democráticas do país, que se desorganizam por fora dos partidos e dos sindicatos tradicionais.
Isso tem causas obviamente econômicas e sociais, que vão desde a pobreza cultural e física do modo de vida urbano nas grandes metrópoles até a falta de qualidade dos serviços públicos, passando pelo consumismo propagado e, ao mesmo tempo, negado dos seus melhores produtos, para a ampla maioria do povo.
O que constituiu e vai dar permanência -em sentido ainda a ser determinado- aos movimentos de junho foi a combinação da objetividade da crise do capitalismo “sentida” por todos em todos os lugares e a possibilidade da socialização do conjunto variado de inconformidades através das novas tecnologias infodigitais em rede. Inconformidades somadas e ainda não sintetizadas numa nova experiência política e programática, que só pode partir de uma nova e clara proposta de Estado.
Antes foi “todo poder aos sovietes”, mas duvido que hoje possa ser “todo poder às redes”. Estas não tem nem corte de orgânico de classe definido nem podem constituir, sem burocracia novas instituições formais de poder nem uma nova civilidade socialista democrática São, sem qualquer dúvida, tanto instrumentos indispensáveis para um novo tipo de controle público do estado, como podem ser fundamentos de um novo espontaneísmo que, de espasmo em espasmo, poderá se esgotar como incentivo às práticas políticas de natureza revolucionária. E mais, pode tornar-se -o que depende de quem vai ter a hegemonia nas redes- instrumento de um novo tipo de fascismo, que Boaventura Souza Santos chamou de “fascismo societal”.
Gramsci dizia nos seus Cadernos que a teoria ricardiana do valor-trabalho não provocou nenhum escândalo “porque não representava nenhum perigo”, revelava-se apenas como “fato” e que o seu “valor polêmico e de educação moral e política, mesmo sem perda da objetividade, só iria ser adquirido com a Economia crítica”. Estes movimentos em rede e nas ruas, até agora, não só não representam nenhum perigo para o capitalismo -independentemente dos objetivos éticos e políticos dos grupos esquerdistas ou de esquerda que dele participam- como só poderão tornar-se parteiros do futuro se as suas demandas fragmentárias se constituírem como demandas políticas. Demandas de classes e setores de classes que transformem as maiorias em movimento em hegemonia política e cultural de novo tipo, “por fora” da indústria cultural de massas do capitalismo em crise.
Aquilo que David Harvey chama de “Partido da Wall Street” não é apenas um centro de inteligência política do capital financeiro, mas é também uma captura do Estado pelo capital financeiro privado através da dívida pública., um “modo de vida” profundamente entranhado em vastos setores da população pelo estímulo ao consumismo predatória e uma redução dura da afetividade comunitária -de sentido público- que veio das lutas operárias de grande parte do século passado.
A “falta de civilização” que, segundo Lênin, impedia a Revolução Bolchevique de avançar para o socialismo, hoje está configurada inclusive na falta de civilização para avançar na questão democrática -que é efetivamente o nosso problema- porque as próprias saídas de crises, dentro do sistema de poder atual, só podem se dar com mais desigualdade e mais extorsão dos direitos dos “incluídos”, ou seja, com menos democracia.
A representação política cada vez mais deslegitimada, assim, ajuda a deslegitimar toda a política, inclusive a futura política daqueles que ainda não chegaram ao poder de Estado, porque jamais as demandas sociais, principalmente agora que são cada vez mais variadas e exigentes, serão respondidas no “curtoprazismo” demandado pelas ruas.
A captura dos Estados pelo capital financeiro em escala global –agora já em êxtase definitivo com a rendição completa de Hollande- exige um olhar mais acurado sobre as técnicas e táticas do neoliberalismo para tornar o Estado cada vez mais impotente. Este, enfraquecido, promoverá como sucedâneo o enfraquecimento maior da ação política e um estímulo ainda maior à alienação e ao privatismo, radicalizando, não a democracia, mas o potencial autoritário que está contido nele, em qualquer Estado.
Pode ocorrer, assim, no terreno da política, para os movimentos socialistas, o que já ocorreu no plano da literatura quando já germinava a pós-modernidade: o abandono do Herói-Príncipe (o Partido, seja ele qual for) e o abandono do Caudal de Fatos (o Programa), que são constitutivos do enredo dramático da Revolução: Joyce, com Ulysses, instintivamente transformou toda a literatura anterior num fluxo de idéias e associações. Como disse Arnold Hauser, ao invés de protagonismo “uma corrente de consciência interminável, ininterrupto monólogo interior.” No terreno da política, isso significa um movimento que não saia de si mesmo e seja só idêntico a si mesmo, sem transcender para capacitar-se como novo poder democrático a partir de um novo Estado, “um ininterrupto monólogo interior.”
Em 1982 Nicolás Sartorius –quadro do PCE e um dos fundadores das “Comisiones Obreras”— já alarmava-se com a falta de avanços sociais mais significativos na democracia espanhola e com a marginalização da esquerda marxista em curso, segundo Sartorius, pelo PSOE (“Siempre a la izquierda”, Ed. Primeiro de Mayo). Hoje, dentro da crise espanhola, toda esquerda tradicional está impotente politicamente e surgem novos movimentos em rede, estes conscientemente querendo tornar-se proposta e projeto político para governar o país, justamente desconfiados e sem qualquer apoio significativo dos partidos tradicionais da esquerda. Mais de trinta anos após a advertência de Sartorius a Espanha sofre um governo liberal-conservador que vai devastar até a memória social-democrata.
Penso que os partidos tradicionais do campo popular, sejam social-democratas de esquerda ou comunistas das mais variadas cepas, devem deixar de agir como espectadores condescendentes ou “infiltrados” com “raro senso de oportunidade”. É preciso ir entendendo a variedade e a riqueza destes movimentos e travando, paralelamente, uma dura batalha ideológica, política e organizativa, pela renovação do projeto socialista, a partir da “democracia real”. Ambos -democracia e socialismo- não cabem mais só no leito futuro a ser preparado pelo movimento operário industrial do século passado. Nem nos desejos consumistas desvairados da classe media alta, auto-exilada nos seus templos de consumo suntuário.
Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul pelo PT.

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23 de Abril de 2013•14h57 •atualizado em 25 de Abril de 2013 às 10h27

Professores do RS pedem prisão do governador por não pagar o piso

O Rio Grande do Sul é o Estado que paga o salário mais baixo aos seus professores: R$ 977,60 como vencimento inicial

Cerca de 5 mil professores, segundo o Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato), marcharam pelas ruas de Porto Alegre, na tarde desta terça-feira, para cobrar o pagamento do piso nacional no Estado. Eles pediam a prisão do governador Tarso Genro pelo não cumprimento da Lei do Piso. "Quem não cumpre a lei tem que ser preso", dizia a presidente do sindicato, Rejane Oliveira.

O grupo se concentrou a partir das 13h em frente à sede do sindicato, na avenida Alberto Bins, e marchou pelas principais vias do centro da capital gaúcha paralisando o trânsito. O Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro que paga o salário mais baixo a seus professores - R$ 977,60 para uma jornada de 40 horas semanais, segundo levantamento feito pelo Terra. O piso nacional é de R$ 1.567,00.

O salário de R$ 977,60 é o básico para um professor que tenha o ensino médio e sobre esse valor incidem todas as vantagens. A situação é melhor para quem tem curso superior, já que o piso sobe para cerca de R$ 1,8 mil. Apesar das dificuldades financeiras, o governo gaúcho disse que não vai fazer mudanças no plano de carreira, como aconteceu em outros Estados, para atingir o valor nacional. O Estado ainda contesta a forma de reajuste do piso, hoje baseada no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), e defende a vinculação ao índice que mede a inflação. Em 2013, o piso teve reajuste de 7,97% em relação ao valor de 2012.

Professores de todo o País começaram hoje uma greve, com duração de três dias. "Essa manifestação também serve para denunciar as condições precárias das escolas, sem professores e funcionários, e a reforma da educação que serve para formar mão de obra barata para os patrões", dizia Rejane, classificando as políticas aplicadas pelo secretario José Clovis Azevedo como nefastas.

Por volta das 14h eles chegaram à sede do governo gaúcho, onde continuavam a concentração com música e discursos de entidades relacionadas. Foi quando uma pessoa caracterizada como sósia do governador foi simbolicamente presa pelos manifestantes, que chegaram a usar até uma viatura de mentira da polícia na encenação.

Dentro do Palácio Piratini o governador dava uma coletiva sobre a missão oficial que fará à Palestina e Israel para a criação de intercâmbio financeiro, tecnológico e cultural. Indagado sobre a manifestação, Tarso disse que encarava o ato “com absoluta tranquilidade. Essa encenação de que vocês falaram é algo que eles usam para chamar a atenção, e conseguiram, por isso que estão me perguntando sobre isso”, afirmou o governador, para momentos depois pegar o microfone e dizer que nenhum professor do Rio Grande do Sul recebe menos que o piso nacional.

Veja quanto ganha um professor no Brasil
O Ministério da Educação (MEC) confirmou o novo valor do piso salarial dos professores, em janeiro: R$ 1.567,00. Este é o valor mínimo que prefeituras e Estados devem pagar aos professores com jornada de trabalho de 40 horas semanais.

http://noticias.terra.com.br/educacao/professores-do-rs-pedem-prisao-do-governador-por-nao-pagar-o-piso,de24bfc57083e310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html


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Justiça condena o RS a pagar o piso nacional dos professores

Do UOL, em São Paulo
26/06/201312h53 > Atualizada 26/06/201313h26

O Rio Grande do Sul foi condenado na terça-feira (25) a pagar o piso nacional, de R$ 1.567, a todos os professores do Estado. A deliberação não atinge os inativos e pensionistas do magistério estadual, pois Instituto de Previdência do Estado não foi incluído no processo.

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Cinco redes estaduais não pagam o piso ao professor
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Para CNTE, reajuste dado ao piso nacional dos professores é insuficiente

A decisão dos desembargadores da 25ª Câmara Cível TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) determina ainda que os docentes da educação básica deverão receber os rendimentos reajustados a partir de 27 de abril de 2011, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a lei constitucional.

Sobre os valores não pagos até agora, a Justiça determinou que deverão incidir juro e correção monetária.

Durante o julgamento, o relator do processo, o desembargador Miguel Ângelo da Silva, afirmou que a lei não retirou dos Estados a competência para definirem o salário do magistério público de cada um, desde que cumpram o mínimo previsto na lei do piso nacional do magistério.

As desembargadoras Ângela Maria Silveira, Laís Ethel Corrêa Pias acompanharam o voto do relator pela condenação do Estado ao pagamento do piso.
Governo do RS

A Secretaria de Estado da Educação informou, por meio de nota, que o Estado ainda não foi comunicado oficialmente da decisão do TJ, mas que vai recorrer da decisão no STJ (Superior Tribunal de Justiça). "A Seduc ressalta que até o final de 2014, o magistério receberá um reajuste de 76,68%, o que significa um aumento real de cerca de 50%, em quatro anos", disse.

http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/06/26/justica-condena-o-rs-a-pagar-o-piso-nacional-dos-professores.htm


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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Governo Tarso bate boca com Joaquim Barbosa sobre piso do magistério.

As críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, ao não pagamento do piso nacional do magistério pelo governo do Rio Grande do Sul causaram desconforto no Palácio Piratini, segundo informou esta noite o site www.zerohora.com.br Leia todo o texto:

No fim da tarde desta segunda-feira, o secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo, concedeu entrevista para esclarecer que o governo não entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o piso em si, mas contra o seu índice de correção, considerado impagável.

"RS não é um Estado pobre", diz Barbosa

A artilharia de Barbosa foi disparada durante a Conferência Global de Jornalismo Investigativo, no Rio de Janeiro, na manhã desta segunda-feira. Ao todo, seis governadores de diferentes Estados são os autores da Adin. O ministro afirmou que o tema já foi alvo de apreciação do STF, com decisão favorável à legislação.

— Nós já julgamos, eu inclusive fui o relator, uma outra Adin contra a lei do piso. Foi uma proposição de vários governadores. O Supremo disse: 'A lei é constitucional. Os governos têm de pagar' — ressaltou.

Depois, o ministro criticou especificamente o governo do Rio Grande do Sul.

— Alguns estados já pagam. Mas outros, surpreendentemente, alguns governadores dos quais não se esperava isso, se recusam terminantemente a pagar o piso, como é o caso, por exemplo, do Rio Grande do Sul, que não é um estado pobre — alfinetou Barbosa.

http://polibiobraga.blogspot.com.br/2013/10/governo-tarso-bate-boca-com-joaquim.html


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TARSO PISO NACIONAL