Dilma e a exclusão política

Por Alberto Perdigão – jornalista, mestre em políticas públicas e sociedade
aperdigao13@gmail.com
A presidenta Dilma Rousseff afirmou nesta terça-feira (19), no Palácio do Planalto, que o Brasil virou a página da exclusão social. Referia-se ao feito de que, a partir do mês que vêm (março), 2,5 milhões de brasileiros que passarão a receber a complementação de renda do programa Bolsa Família, elevando assim para 22 milhões o número de brasileiros que deixaram a situação de extrema pobreza – miséria. O avanço é importante, é uma “marca histórica” e de “efeito imediato”, como destacou a presidenta.
Mas reduzir a miséria ainda é o mínimo que se poderia esperar do Estado, em um país tão grande e tão rico. E esse mínimo sequer está completo. Ainda faltam, segundo dados do Governo, 700 mil pessoas, que as prefeituras não conseguem encontrar, mesmo com esforço que fazem de busca ativa. Não é fácil encontrar o que é invisível. São cidadãos que, historicamente, não são reconhecidos como tal, que também não se reconhecem sujeitos de direitos. São cidadãos “mudos”, cuja única expressão que se faz notar é a da fome, e que nos incomoda.
Acho, particularmente, que estes sem voz também são “surdos”. Não escutam o chamamento do governo, afinal nenhum governo nunca os chamou, a não ser nas secas do Nordeste, para condená-los a trabalhos “forçados” em frentes de serviço. Se escutam, não acreditam. Não, isso não é para mim, é só para quem tem peixada, devem pensar, numa irônica comparação com o delicioso prato do imenso litoral deste país. Esses invisíveis, mudos ou surdos, podem ser um sinal de que a próxima página seja a do desafio da exclusão política.
Tenho cá minha desconfiança de que, especialmente no caso brasileiro, a miséria não é só um resultado da economia, mas também da política. O Amartya Sen diz isso no seu irrepreensível livro Desenvolvimento como Liberdade. Fosse dada a esses cidadãos extramente empobrecidos e extremamente desempoderados uma esfera pública para a problematização e discussão de suas questões, para a deliberação e expressão de suas soluções, provavelmente não existira a página de tão grande contingente de miseráveis. 
Virada a página da exclusão social, incluídos os extremamente pobres no mercado, agora é preciso incluí-los numa esfera pública que lhes dê visibilidade e reconhecimento, que lhes proporcione pertencimento e voz. Esse é o desafio da exclusão política, que nega a cidadania ativa e a democracia participativa, talvez, a quem mais precisa. Não basta permitir votar, tem que estimular o eleitor a participar, e a impedir que candidatos e eleitos façam o que não é permitido, valorizando a democracia representativa e o Estado democrático de direito.
Sem desconhecer todos os méritos do Brasil Sem Miséria e os esforços paralelos da inclusão produtiva e do acesso aos serviços públicos, acho, finalmente, que, sem a inclusão política, talvez estejamos dando muito pouco.  Porque ainda não temos políticas públicas que assegurem universalmente a liberdade subjetiva de criar, ampliar e reformular direitos. Ter informação, canais de expressão e diálogo com o poder público – a inclusão comunicacional – pode ser um início de caminho, certamente de um longo caminho.
E já que o assunto é a página virada que descortina uma nova página, deixo o leitor com um pequeno trecho da página 23 do livro de Sen, publicado no Brasil em 2000, três anos antes das primeiras iniciativas do governo Lula de combate à miséria: “A privação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade social, assim como a privação de liberdade social ou política pode, da mesma forma, gerar a privação de liberdade econômica”.

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