Mais uma vez, a grande ameaça
Por seis votos a um, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu há três dias que entrevista jornalística não é propaganda de candidatos às eleições. Essa decisão revoga a proibição dos pré-candidatos de falar de seus programas nas entrevistas que fossem concedidas antes do dia 6 de julho. Por causa dessa proibição, um juiz paulista, conforme criticamos aqui, condenou a ex-prefeita Martha Suplicy por ter dado entrevista e a revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo, que a publicaram, a pagarem multa. Algo tão absurdo à luz das doutrinas democráticas, que até o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Brito, reagiu, dizendo: "Mesmo na fase pré-eleitoral, é bom que o pré-candidato diga a que veio, até para servir à disputa nas convenções partidárias".

Há mais de duzentos anos, um dos fundadores da democracia nos Estados Unidos, Thomas Jefferson, afirmou: "Se tivesse que decidir se devemos ter governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último". Um dos baluartes do pensamento político de esquerda, Karl Marx, escreveu que "a imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê e a visão a si mesmo é a primeira condição da sabedoria" e que "a imprensa livre é o olhar onipotente do povo". É verdade, os seguidores de Marx não aprenderam a lição, o que não impede que ela seja sábia. Nenhum problema que a imprensa possa causar é maior do que aqueles que ela ajuda a evitar. Além disso, liberdade de imprensa não significa que o jornalista pode ser irresponsável. Se for, ele será punido primeiro pelos leitores e ouvintes, pois, sem credibilidade, estes deixam de comprar aquele jornal ou revista e não vai mais buscar informação naquela rádio ou TV. E será punido também pela justiça, pois os delitos de injúria, calúnia e difamação estão devidamente capitulados no Código Penal e não se acham ao abrigo do direito constitucional de liberdade de expressão.

O que não pode é, com base nisso, querer trazer de volta a censura prévia, como fez um juiz paulista ao proibir o Jornal da Tarde e o Estado de S. Paulo de publicarem reportagem com denúncias contra o Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Felizmente, não só os jornais atingidos reagiram a isso, e o CRM pediu a extinção da ação. Aliás, esses Conselhos Regionais e Federais, em todas as categorias, estão precisando de uma boa apuração da imprensa sobre o que eles fazem do dinheirão que arrecadam, na marra, dos profissionais, a título de defender a profissão e a sociedade. É possível que a maioria tenha se transformado em feudos de sanguessugas dos colegas. Sem uma reação firme da sociedade, a censura à imprensa volta. Ela tem muitos defensores. A Associação dos Juízes Federais do Brasil defendeu o colega que censurou os dois jornais paulistas. Em nota, a entidade sustenta que o juiz não praticou censura, apenas "determinou a suspensão da publicação da matéria" até que os jornais apresentassem sua defesa. Mas é exatamente isso que Thomas Jefferson e Karl Marx dizem que não pode ser feito. Eles ainda se lembravam dos bons propósitos da Igreja Católica e dos papas que instituíram a Santa Inquisição...

Por falar em igreja, é de se lembrar o que fez a Igreja Universal do Reino de Deus depois que a Folha de S. Paulo publicou, em dezembro passado, reportagem assinada pela repórter Elvira Lobato, com o título "Universal chega aos 30 anos com império empresarial", descrevendo as milionárias atividades do bispo Edir Macedo. Em janeiro, começaram os fóruns dos mais diversos municípios do país a receber quase uma centena de ações judiciais movidas por adeptos da igreja que se diziam ofendidos pelo teor da reportagem. Na maioria das petições, o palavreado e os argumentos eram iguais. Isso indica que era um movimento orquestrado a partir da cúpula da igreja. Até 10 de abril, 85 fiéis haviam entrado com ações por causa da reportagem e 28 sentenças tinham sido proferidas, todas favoráveis ao jornal. O juiz Valériano Cezário Bolzan, da comarca de Venda Nova do Imigrante, no Espírito Santo, condenou Wagner Panisset Turques ao pagamento de multa, honorários de advogados e custas do processo. O juiz escreveu na sentença que o fiel da Igreja, "orientado por seus líderes espirituais, utilizou-se do processo para conseguir objetivo ilegal, qual seja, promover a intimidação e retaliação da imprensa".

Nesse caso, a igreja fez uma pressão econômica contra o jornal, mais que uma censura, pois o obrigou a deslocar equipes de advogados para se defender em comarcas separadas umas das outras por centenas e milhares de quilômetros. É uma maneira eficiente de censurar a imprensa, pois a empresa que edita jornais vai pensar duas vezes antes de pautar novamente a Universal. Nesse caso, só não foi eficiente o bastante porque a igreja de Edir Macedo – ele também dono de jornais, de rádios e da TV Record – encontrou pela frente juízes que não quiseram desempenhar o papel que a igreja lhes reservava nesse jogo. O bom da justiça é que nela, como na vida em geral, há uma grande diversidade de pensamento. E quando um juiz erra, um tribunal pode consertar. É mais ou menos o que se passa com a imprensa, numa democracia. Não é possível querer que um jornal, uma rádio ou uma televisão acerte sempre. Mas dificilmente toda a imprensa vai errar do mesmo modo, como acontece nas ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda. Aí sim, a sociedade como um todo sofre, embora uma minoria se beneficie muito da ditadura. Quem viveu aqui mesmo no Brasil entre 1964 e 1984 sabe disso, embora, infelizmente, a memória de muitos seja bem fraquinha. Fonte: Tamos com raiva.

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