PAC-TO contra o crescimento

Escrito por Luiz Gonzaga Belluzzo - Terra Magazine

Já há algum tempo formou-se no Brasil um Pac-to contra o crescimento. Formou-se um consenso diabólico (a expressão seria justa se o demônio fosse frouxo e preguiçoso) em torno dos perigos do crescimento mais acelerado. Nos últimos 25 anos de baixo crescimento, o Brasil foi abalado por mudanças tectônicas na geoeconomia global e por erros de interpretação sobre a natureza das transformações. Isso levou a estratégias de política econômica que não combinavam com os rumos e os processos da globalização. Esses equívocos não são cometidos solitariamente por presidentes da república ou ministros da Fazenda. Decorrem de uma correlação de forças perversas, hoje comandada pelo rentismo e pela finança parasitária, herdeiras da hiperinflação dos anos 80 e da estabilização instável dos anos 90. Esse "estado de expectativas", nos imobiliza e nos torna incapazes de aproveitar a liquidez abundante que encharca os mercados financeiros globais.

As reações ao Pac mostram claramente como se alinham essas forças em relação ao crescimento econômico. As críticas não foram endereçadas ao elo frágil do programa, ou seja, à falta de ousadia na definição de formas de financiamento inovadoras, capazes de levar em conta a conjuntura financeira global e o arsenal de novas modalidades de crédito e de cobertura de riscos desenvolvidas nos últimos anos. Não vamos cair no conto moralista e inepto de que a finança é necessariamente contra o crescimento rápido. Muito ao contrário: Marx, Keynes, Schumpeter - para não falar dos Rothschild, dos Morgan e dos Soros da vida - mostraram, na teoria e na prática, a importância decisiva do crédito e dos mercados de capitais para a potenciação do processo de acumulação de capital.

Os chineses parecem ter lido com acuidade os autores mencionados. A experiência chinesa mostra o papel crucial dos bancos e do crédito na sustentação de taxas de crescimento elevadas, sempre guiados pela decisão política do Estado. Os economistas acadêmicos - americanos, europeus e candidatos a esses passaportes em outras partes do mundo - fazem soar o alarme da fragilidade dos bancos estatais chineses. Mas a última oferta pública de ações destinadas a aumentar a participação privada nos bancos teve uma demanda três vezes maior. Parece que os práticos da finança global não se importam com a opinião de seus doutores. Na outra ponta do painel ideológico e prático, a experiência americana do final do século XIX e do final do século XX mostra que o crédito e o mercado de capitais, desregulados (até 1913 sem a presença de um Banco Central), podem promover uma forte aceleração do crescimento e estimular a transformação das pequenas empresas em grandes negócios. Os barões ladrões e os novos senhores das finanças são demiurgos do permanente "choque de capitalismo" à americana. Eram e são cronicamente inclinados à aventura dos novos negócios, sob a tutela e o patrocínio de um Estado darwinista e plutocrático.

No capitalismo realmente existente - alguns já advertiram e poucos ouviram - não há garantias contra crises sistêmicas, nem métodos capazes de prevenir reversões bruscas nos preços de ativos excessivamente "alavancados" pela euforia do crédito abundante, com efeitos perversos sobre decisões de investimento e de produção. O crescimento "equilibrado" só existe nos modelos macroeconômicos que usam supostos especiosos e irrealistas. Nada mais "desequilibrado" do que o crescimento americano das últimas décadas. Dizem que, nos dias de hoje, as políticas fiscais anti-cíclicas e as intervenções tempestivas dos bancos centrais são capazes de controlar o bicho e evitar o pior. Veremos. Mas a forma e os métodos que o sistema financeiro e de crédito assumiram no Brasil, sobretudo, depois da abertura da conta de capitais e da desregulamentação financeira, são um obstáculo ao crescimento. Poucos países ditos emergentes têm uma combinação câmbio-juro tão hostil ao crescimento e tão favorável às formas estéreis e socialmente perversas de arbitragem e de especulação com os preços dos ativos. Em um ambiente de dólar fácil e barato, tais manobras suscitam a valorização da moeda brasileira. Além de outras inconveniências óbvias, a valorização é um chute no traseiro do investimento produtivo estrangeiro e já espanta os empresários brasileiros, convidados a mover suas fábricas para outras paragens. Assim, é cada vez maior o risco de regressão da estrutura industrial.

A grande mídia brasileira tornou-se porta-voz do parasitismo rentista. Os editoriais sobre o PAC, com honrosas exceções, deram curso ao besteirol da "volta do estatismo". No mundo inteiro, inclusive na maior nação capitalista do mundo, escasseiam os tolos que recomendam desarticular as relações entre o gasto público e o investimento privado. Assim é nos Estados Unidos, sobretudo através do gasto militar - uma versão deformada da constituição das economias capitalistas na segunda metade do século XX. Assim é na União Européia: o brilhante desempenho econômico da Espanha não teria sido possível sem o investimento em infra-estrutura financiado pelo orçamento da Comunidade Européia. A fiscalidade (as receitas e os gastos do Estado) e os mercados são um casal de briguentos. Estão sempre em desavença, mas inseparáveis. No Brasil, o casamento conflituoso deu frutos no período desenvolvimentista, sobretudo mediante a atuação das empresas estatais. A recuperação de 1967/68 que deu origem ao celebrado "milagre econômico" teve como fundamento as reformas fiscal, das finanças públicas, do sistema financeiro e o reajuste das tarifas das empresas estatais. As reformas foram comandadas (pasmem!) pela dupla Campos-Bulhões. Poucos se deram conta, então, da importância das reformas para a gestão da dívida pública, condição sine qua non para o avanço das reformas financeiras.

O gasto público liderou a recuperação. Depois, o salto na demanda de duráveis escorado no crédito ao consumo - que funcionou como uma inovação financeira - ajudou a ocupar a capacidade ociosa criada pela estabilização do período 64-67. Só então recuperou-se, com vigor, o investimento privado. No PAC, as medidas não só buscam romper os gargalos criados ao longo das últimas décadas na infra-estrutura, como procuram alentar os setores com maior capacidade de gerar renda e emprego e fomentar o desenvolvimento tecnológico. O Brasil tem um superávit primário cuja contrapartida é um déficit na infra-estrutura. Essa é uma conta que os economistas não costumam fazer. Não recomendo que o governo mande às urtigas o superávit primário. Mas, com o balanço de pagamentos sob controle, a acumulação de reservas e a inflação abaixo da meta, não faz o menor sentido, no mundo de hoje, manter a política monetária tão apertada, com efeitos nocivos sobre a dinâmica da dívida pública. O Banco Central executa uma política de câmbio e juro desastrosa e incompetente. É uma exceção grotesca, se nos comparamos a outros países que apresentam resultados piores no balanço de pagamentos, no déficit fiscal e na dívida pública, como, por exemplo, a Índia. A atual política de câmbio e juros, aliada a um regime tributário pesado e hostil ao crescimento, dentro de poucos anos transformará o Brasil em um exportador de commodities, com perda de substancia na indústria manufatureira.

Nenhuma economia emergente, com forte concentração urbano-industrial da atividade econômica, do porte da brasileira, vai suportar, sem danos graves para o emprego, a formação da renda e a sustentação das políticas sociais - o amesquinhamento da industria e dos serviços conexos. Neste caso, realmente, não há alternativa. Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular aposentado da Unicamp, consultor editorial da revista Carta Capital e vencedor do prêmio Juca Pato em 2005.

O INTERNAUTA TEM VOZ: jose carlos lima disse... Daniel, você sabe que vivemos à mercê de lembranças do passado presentes. Senão vejamos: estou proibido por mim mesmo de acessar o OI do Fulano. Ocorre que os links do Observatório dos Blogs e do Onipresente, que costumo acessar, ficam perto do link Observatório da Imprensa = OI. Não daria pra você jogar o link desta praga prá cima? Sei lá, prá bem longe. Tenho medo de, por um descuido, clicar no OI do Fulano.

Comentários

Anônimo disse…
Daniel, você sabe que vivemos à mercê de lembranças do passado presentes. Senão vejamos: estou proibido por mim mesmo de acessar o OI do Fulano. Ocorre que os links do Observatório dos Blogs e do Onipresente, que costumo acessar, ficam perto do link Observatório da Imprensa = OI. Não daria pra você jogar o link desta praga prá cima? Sei lá, prá bem longe. Tenho medo de, por um descuido, clicar no OI do Fulano